segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Inspiração

Seu Sebastião é um negro retinto, do tipo que sorri e ilumina o dia. Um homem que traz no olhar a nobreza que só os verdadeiramente humildes possuem. Suas mãos grandes e calejadas revelam a trajetória de uma vida inteira dedicada ao trabalho. Seu rosto, por incrível que pareça não traz marcas de sofrimento, talvez porque a alma de Seu Sebastião só tenha guardado prazer e orgulho de sua luta.
Não dá para adivinhar a idade de seu Sebastião, pois ele é uma dessas pessoas que vive cada dia em tempo real, seu momento é agora e a vida para ele é simplesmente uma dádiva preciosa...
Seu Sebastião não reclama do frio apesar de amar os dias de sol escaldante, e céu intensamente azul...Seu Sebastião não reclama...Seu Sebastião trabalha...Procura resolver seus problemas quando surgem, e não remói suas dores que são muitas... Seu Sebastião só sabe lutar e sorrir.
Um dia seu Sebastião entrou num brechó pequeno, mas muito interessante, que ficava próximo a obra onde ele trabalhava por empreitada. Vestia seu terno reluzente de tão branco, e precisava de uma camisa e um par de sapatos para ir ao bailão: dançar era uma de suas paixões...Seu Sebastião como bom "brechoseiro" que era, percorria os cabides um a um. Seus olhos mergulhavam naquele mar de cores, enquanto sua alma vivia por segundos a delícia de ser muitos sem deixar de ser Sebastião. Acordando da viajem se depara com uma bela camisa vermelha, que com seu terno e o belo par de sapatos de pelica, com o qual já havia flertado, completaria o conjunto para aquela noite tão esperada! Segurou a camisa como quem segura um tesouro.Pegou o par de sapatos e dirigiu-se ao balcão. Parou diante da vendedora, seus olhos pulavam da camisa para o sapato na tentativa de optar, já que cada item custava dez reais, exatamente a quantia que tinha no bolso... Ao seu lado estava Marta "brechoseira de carteirinha" que conhecia como ninguém a dificuldade de escolher entre duas peças perfeitas. Ela e a vendedora se entre olharam mudas pois nada precisava ser dito...Seu Sebastião frustrado, mas finalmente decidido; estendeu uma mão segurando o dinheiro e a outra segurando o par de sapatos para serem colocados na sacola(afinal já se tornara impossível dançar com seu velho par de solas furadas). A vendedora recebeu o dinheiro e simplesmente colocou a camisa junto com o par de sapatos na sacola... O rosto de seu Sebastião iluminou-se novamente e seu sorriso conseguiu naquele dia ser mais largo...Na mente de Seu Sebastião rodopiavam frenéticos casais, no centro ele girava como quem voa...Sua camisa vermelha refletia as luzes do salão enquanto seu braços conduziam a morena linda, leve, encantada...
-Deus lhe pague! disse ele com a voz sufocada, sem poder dizer mais nada, pois ele só queria sorrir...

Geisa Lombardi