quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Sonho Azul
Maria do socorro era uma moça tão simples, tão tímida, tão feia coitada...Maria não tinha dinheiro, quase não tinha amigos, não tinha família...havia perdido a mãe ainda pequena, ela nem se lembrava quando, e o pai nunca soube quem era!Maria enjeitada, vivia de favor na casa dos patrões de sua mãe. Quase uma escrava ocupava um quartinho nos fundos, escuro e triste. Sua vida era trabalhar duro em troca de comida e dormida.Era tão magrinha, meio tortinha por conta de uma paralisia, as crianças da família caçoavam, chamando-a de "Maria Minhoca"...Ela nem ligava, adorava brincar com elas. As vezes saia correndo, fingindo zangar-se e depois enchia os serelepes de cócegas e carinhos, estes eram na verdade seus únicos amigos...
Mas, Maria tinha lá seus encantos: os olhos mais azuis que o céu mais azul de uma tarde de inverno, e um sorriso franco e puro que se abria a qualquer momento, por qualquer motivo, expondo alguns dentinhos pequenos e maltratados. Ela tinha cara de felicidade uma felicidade inexplicável sem origem, sem porquê...
Um dia Maria Pequenina foi convidada para uma festa. Era aniversário da filha da comadre de sua patroa, para quem Maria havia passado algumas dúzias de roupa. A fina senhora se agradou de Maria, de seu jeito puro, de seu sorriso franco. Convidou-a de coração, a despeito dos olhares contrariados de sua filha lindinha, perfeitinha, chatinha, loirinha, enjoadinha, aniversariantezinha...E ainda deu a Maria um bom dinheiro para que pudesse comprar um belo traje!
Maria entusiasmada foi as compras, pela primeira em sua vida. Desembarcou no centro da cidade em busca do que não sabia, procurando o que não conhecia.Desorientada já estava quase desistindo de ir a festa quando se deparou com um brechó. Sentiu-se atraída pelo colorido das roupas, pela quantidade e diversidade das peças. Caminhando entre as araras, foi sentindo uma espécie de encantamento que ia crescendo a cada passo. De repente seu rosto se iluminou com aquele sorriso desarrumado... Era uma linda saia azul. Tão azul quanto o azul mais azul de uma tarde de inverno, tão azul quanto o azul de seus olhos...Maria encantada não compreendia muito bem o movimento daqueles panos cortados em nesgas diagonais, que voavam ao vento leve daquela tarde morna. Seus olhos deslumbrados tentavam acompanhar a coreografia daquelas pontas desencontradas...e quanto menos compreendia mais se apaixonava.Maria acanhada pediu a vendedora para provar a saia. Então deu-se o milagre...Ela colocou a saia e girou como uma pequena bailarina. A saia dançou em torno de seu corpo em movimentos ainda mais belos!-Serviu como uma luva- disse sinceramente a vendedora.Maria realizada comprou a saia e saiu radiante, antes de ir embora parou diante da loja e leu: "TRAPOS DE LUXO" nunca mais esqueceria aquele nome.
Maria transformada vestindo aquela saia alada, que se combinava perfeitamente com uma singela blusa branca, bordada com pequenos cristais(única lembrança de sua mãe) que ela nunca antes havia usado. Os poucos, ralos cabelos curtos acomodavam-se meticulosamente numa pequena fivela prateada.
Maria envergonhada chegou com os patrões na festa, mas preferiu entrar pela porta dos fundos. Caminhando com seus passos tímidos ao longo do corredor que levava até a cozinha, ouvia o burburinho do salão misturando-se ao barulho de seu sapatinho no belo piso de mármore que ecoava como um batuque de liberdade... De repente, inadvertidamente, Maria desajeitada deslizou com seu saltinho diretamente para os braços de um incrível cavalheiro, que numa manobra olímpica deixou cair a bandeja, mas segurou a pequena menina evitando assim o desastre...Maria desconcertada, sentindo o coração pular e o rosto queimar de vergonha, não sabia o que dizer, mesmo porque, as palavras não saiam de sua boca trêmula, apenas grunhidos ensaiavam um pedido de desculpas.O moço armado de nobre delicadeza, tudo compreendeu, e apenas sorriu, sem conseguir tirar os olhos do azul daqueles olhos...Maria atrapalhada saiu correndo para o salão onde foi se juntar as crianças.Ao ver a menina se afastar, o rapaz reparou na beleza daquela saia azul, que levitava e refletia a cor dos olhos de Maria.
O rapaz, garçom de profissão, entrava no salão a todo momento, com sua bandeja recheada de delícias, portava-se com tanta elegância que mais parecia um príncipe aos olhos de Maria na frente de quem se curvava formalmente, oferencendo um doce ou uma bebida, só para fitar novamente os olhos de céu de Maria.
Maria emocionada, jamais acreditara que pudesse ser notada por alguém daquela maneira, sentia uma euforia, como fogos de artifício explodindo sem parar...aquecendo o corpo, revirando a mente...O garçom por sua vez, sentia-se atraído não tanto pela beleza dos olhos quanto pela pureza do olhar...
Ao fim da festa, o rapaz aproximou-se de Maria assustada. Perguntou seu nome, e conversaram por alguns minutos.Descobriram muitas coisas em comum , entre elas: a religião.
Passaram a se encontrar todos os domingos no culto.Maria enamorada, tornou-se assídua frequentadora do brechó"Trapos de Luxo". Comprou muitas outras saias para combinar com muitas outras blusas que lavava e passava caprichosamente para se encontrar com seu príncip... passear de mãos dadas no parque, comer pipocas, dar gostosas gargalhadas das bobagens de amor que compartilhavam ou simplesmente, contemplar com ele o céu azul nas tardes de inverno...Fim